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Direito de Resposta e Direitos Fundamentais no Direito Eleitoral Brasileiro

Apontamentos em torno de um campo em mutação




Direitos Fundamentais e Democracia no Direito Eleitoral

Entre os diversos setores da vida social que têm sentido de forma mais contundente os efeitos da sociedade da cibernética[2], sobressai o sistema político, com ênfase nas eleições. Com efeito, ao longo da última década, verificou-se a intensificação do papel estratégico desempenhado por computação, internet e redes sociais nos processos eleitorais. Os casos protagonizados pela já extinta “Cambridge Analytica”[3], a envolver países como Reino Unido, Índia ou EUA, são apenas a face mais visível desse estágio, no qual não apenas emergem possibilidades democráticas, mas sobretudo incertezas e riscos a contaminar a competição democrática e a política como um todo.


Entre os instrumentos que passaram a ser usados de forma mais estratégica e intensa estão diversas maneiras de desinformação, mediante disseminação de informações distorcidas, ou mesmo notícias falsas (fake news), habitualmente com o objetivo de alterar a percepção do eleitor a respeito de algum tema, legitimar determinado ponto de vista, ou, simplesmente, destruir reputações e imagens públicas de pessoas, partidos e doutrinas políticas ou, inversamente, redesenhar favoravelmente componentes biográficos e elementos curriculares. É uma situação que reclama ações combinadas com o fim de impedir que tais práticas contagiem a democracia de forma indelével.


Um resultado jurídica, política e socialmente eficaz envolve a adoção de estratégias cruzadas, a abranger alguns pontos fundamentais, entre os quais um esforço para concretizar o direito constitucional à informação, inclusive mediante a oferta de comunicação pública credível, e a democratização tanto da propriedade quanto do acesso aos meios de comunicação; a criação e disponibilização de meios oficiais e alternativos de checagem de fatos, bem como as mobilizações ativas contra as redes de promoção da desinformação[4]; a instauração de mais confiança nas instituições e organizações, públicas e privadas; o fomento à cultura cívica e aos laços comunitários, em uma dinâmica interescalar que tanto oriente a emergência de estruturas redutoras de complexidade, quanto possibilite a sedimentação de um núcleo valorativo mínimo para a convivência em uma sociedade mundializada; e, por fim, o estabelecimento, no sistema jurídico, de normas e meios capazes de auxiliar o enfrentamento a esse fenômeno, privilegiando a liberdade e recorrendo à repressão apenas excepcionalmente[5].


De fato, é no campo jurídico que residem alguns dos principais desafios a serem assumidos, mormente no direito eleitoral. Afinal, o direito tradicionalmente aplicável a casos desse jaez tem se mostrado estéril ante um fenômeno que assume múltiplas facetas, muitas das quais ainda a descoberto no sistema legal. Note-se que, mesmo nos casos em que está circunscrita ao direito eleitoral, a matéria envolve, antes, o núcleo de nossa matriz constitucional, especialmente os direitos à liberdade de expressão, os direitos a intimidade, vida privada, honra e imagem, o direito de acesso à informação, e o direito de resposta, sob o manto do devido processo legal.


Tais direitos e garantias tornam complexo o manejo, no direito eleitoral, de casos a eles relacionados, especialmente quando levamos em consideração a realização da polícia administrativa pela Justiça Eleitoral e a necessária aplicação do princípio da celeridade no direito processual eleitoral, como instrumentos garantidores da efetividade do direito para fins de realização da democracia. Muitas vezes, a proteção da honra e da imagem, e a preservação da verdade deverão se opor a eventuais abusos no âmbito do exercício das liberdades de expressão e manifestação, e de ações na esfera da intimidade e da vida privada, tendo em vista o sentido teleológico da norma, relacionado à consecução da representação democrática.


Verifica-se, portanto, a necessidade de o direito eleitoral conciliar o escopo da democracia com os direitos do cidadão à liberdade individual e à inviolabilidade da intimidade e da privacidade, provendo-se o direito do indivíduo a informação suficiente e verdadeira, e garantindo-se o direito de resposta. Trata-se, em última análise, da busca do equilíbrio na aplicação de determinados programas normativos, sob o respeito à cláusula do devido processo legal[7].


De fato, a subtração, privação ou restrição de direitos somente ocorrerá, na ordem democrático-constitucional, mediante o devido processo legal. Observe-se que, já ao tempo da introdução dessa regra entre os ingleses, pretendia-se que ao invés de ter a vida e a liberdade sujeitas à ação do Estado, o indivíduo gozasse da proteção da lei, com imposição ao agir estatal do cumprimento de formalidades procedimentais tendentes a proteger a esfera dos direitos individuais[8]. Na hipótese sob comento, deve-se reconhecer que qualquer ingerência sobre os direitos à liberdade e à privacidade somente poderá ocorrer por meio de decisão judicial, com as garantias a si inerentes.


As possibilidades jurídicas de intervenção estatal sobre tais direitos fundamentais obedecem a duas fórmulas básicas, quais sejam a restrição em função do conteúdo, como vige na Alemanha, e o controle a partir das condições contextuais, nos termos da tradição norte-americana. O regime constitucional germânico é fundado em uma concepção ampla de liberdade de expressão e manifestação[9], que, contudo, possui como contraface limites relacionados a determinados conteúdos, a saber: o discurso de ódio, a desinformação e a proteção das instituições.


Entre os americanos, sistema jurídico que se apresenta como matriz em se tratando de direitos fundamentais, as exceções à liberdade e à privacidade demandam a comprovação do que Oliver Wendell Holmes definiu como “perigo evidente e atual”[10], que compõe a “clear and present danger doctrine”, segundo a qual o Estado apenas deve interferir nas liberdades se, e somente se, tenha a situação ocorrido “em tais circunstâncias ou sido de tal natureza que pudesse criar um perigo evidente e atual”, cujos males a ação estatal poderia prevenir, observado o devido processo legal, isto é, com completa subordinação aos tribunais[11]. O devido processo assegura a razoabilidade da medida restritiva[12], sempre dependente de ordem judicial em matéria de direitos fundamentais[13].


Em qualquer dos modelos, conforme enfatiza Zimmerli, o princípio da proporcionalidade deverá ser usado como critério para a admissibilidade de limitações à liberdade individual[14]. Proporcionalidade vista como justa relação entre as medidas a serem tomadas e o fim almejado[15], de modo a que prevaleça, como realça Shattuck, a proteção das liberdades contra qualquer coação, salvo a existência de motivo justo, passível de aferição pelo Poder Judiciário[16].


Essa análise será, todavia, tanto mais delicada quanto mais complexos forem os casos, a enredar múltiplos direitos e liberdades em tensão mútua. Alguns dos casos mais difíceis no direito eleitoral envolvem não apenas restrições às liberdades de expressão e de manifestação, mas o contexto majoritariamente público ou privado no qual ocorrem, especialmente quando entram em cena as possibilidades dilatadas de disseminação de dados fornecidas pelo atual contexto informacional. Assim, muitas vezes será determinante, para a análise dos casos envolvendo abusos nas liberdades de expressão e manifestação, uma avaliação prévia de sua extensão, notadamente quando o indivíduo possa estar agindo em seu espaço de privacidade e intimidade. São, por exemplo, os casos em que uma determinada mensagem ilegal tem origem em uma troca de mensagens privada, todavia rapidamente se expande pelas redes sociais, em um processo de alargamento contínuo e imparável.


Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., o direito à privacidade é “direito subjetivo fundamental, cujo titular é toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio (...); e cujo objeto é manter a integridade moral do titular”[17]. Observe-se que, “de modo geral, há consenso em que o direito à privacidade tem por característica básica a pretensão de estar separado de grupos, mantendo-se o indivíduo livre da observação de outras pessoas”. Pode-se afirmar, então, que “no âmago do direito à privacidade está o controle de informações sobre si mesmo”[18]. Cabe, neste sentido, afirmar que o cidadão pode, em uma mensagem particular, exprimir-se como melhor lhe convier, com a máxima liberdade, já que suas posições não foram publicizadas, apenas confidenciadas. Mas, a partir do momento em que tal mensagem ganha o domínio público, seja pelo envio a ambiente coletivo, seja pela ulterior ampliação de destinatários, incidem sobre si todas as consequências jurídicas, entre as quais as possibilidades de intervenção estatal, responsabilização em todos os níveis, e direito de resposta.


Note-se que o meio interventivo estatal, por excelência, será, nesse campo, o judicial. É precaução que resguarda direitos fundamentais e evita o risco do abuso, verificado quando se põe “demasiado poder nas mãos de um ou mais agentes públicos”[19]. Cumpre observar que uma das principais dimensões contidas na violação ao direito de privacidade é a decorrente dos excessos invasivos derivados de práticas repressivas estatais[20]. Trata-se de uma dificuldade enfrentada em casos concretos, especialmente quando a sofisticação tecnológica é utilizada para confundir responsabilidades, conteúdos e extensão dos danos, ainda que configurado o abuso no exercício das liberdades de expressão e manifestação. Diante do direito à privacidade, os recursos tecnológicos “devem ser utilizados sem a expectativa explícita de invasão de privacidade ou intimidade de terceiros”[21], sendo certo que “a casa como asilo inviolável comporta o direito de vida doméstica livre de intromissão estranha”[22].


A garantia dos indivíduos e da sociedade não repousa, portanto, no Estado e seus agentes, mas nos direitos fundamentais. Mais que a diligente ação estatal, fundamental para a sociedade, é essencial que os direitos constitucionais, entre os quais os direitos às liberdades de expressão e manifestação, e à privacidade e intimidade sejam integralmente respeitados[23]. Todavia, a quebra desse preceito pode ocorrer em circunstâncias especiais e, neste caso, mediante ordem judicial, sempre que a desinformação, a notícia falsa, a violação da honra e o discurso de ódio se sobrepuserem à verdade ou à narrativa plausível.


O Direito de Resposta no Direito Eleitoral

Entre os instrumentos jurídicos disponíveis para a busca do equilíbrio nesses casos está o direito de resposta. Essencial para a defesa do indivíduo, é ainda mais importante para a preservação da comunidade política e da vida social. No direito eleitoral, o direito de resposta tem como fundamento fático o papel estratégico desempenhado pela circulação de manifestações e informações em uma democracia. Sua posição no sistema jurídico intersecciona diferentes âmbitos – político e doméstico, público e privado – em vista da necessidade de se coibir abusos em benefício da construção da democracia e manutenção de direitos e garantias fundamentais.


O direito eleitoral, dado seu especial escopo, deve ser conduzido por interpretações jurídicas maximizadoras do princípio democrático, a exigir zelo adicional dos operadores do direito contra abusos de direitos e liberdades tendentes a afetar a competição eleitoral e a legitimidade da representação política. Não por acaso, no campo da ciência política, autores como Robert Dahl colocam a informação verdadeira, plural e suficiente como um dos requisitos mínimos para qualquer regime que se pretenda democrático[24]. Artemi Lombarte destaca que a legitimidade democrática requer eleições nas quais o voto derive da vontade livre do cidadão, a qual depende de ampla interação no campo das ideias, com informação suficiente e apropriada para o eleitor[25]. Consequentemente, deve o direito eleitoral se ocupar do direito de resposta de forma especial, assumindo como premissa a multifuncionalidade do direito de resposta no espaço contemporâneo e sua utilidade para assegurar o “dever de verdade”[26] dos atores sociais.


O direito de resposta, sob a ótica democrática e republicana presente em nosso ordenamento jurídico, funciona como garantia de comunicação atrelada ao interesse público e vinculada à veracidade dos fatos[27]. Registre-se, a seguir, a lição de Luís Grandinetti Carvalho, apta à aplicação no direito eleitoral, no qual há integral domínio do interesse público:

Nesse contexto, já vimos que o direito de informação, com esta nova ótica constitucional, importa no direito à informação verdadeira, e que esta constitui um direito difuso da sociedade. Sendo assim, o direito de resposta deve, por sua vez, reajustar-se para adaptar-se a esta nova ordem jurídica.


É primordial que se abandone a concepção do direito de resposta que o configura, apenas, como uma ação de reparação de dano, ou como um instituto afim à legítima defesa. Ele é tudo isso, mas deve ser mais que isso. Ele deve ser deslocado do particular, ofendido pessoalmente, titular de um direito à indenização, para a sociedade, credora de uma informação verdadeira, imparcial, autêntica.


Aceita a concepção, forçoso é admitir que o direito de resposta, integrante do direito de informação, é também um direito difuso, que pode ser exercido por qualquer legitimado com o fim de preservar a verdade de um fato.

Não mais vigerá a estreita via da indenização e da legitimação exclusiva do lesado para opor-se à matéria inexata. O ofendido cederá parte de seu lugar para o ‘interessado’ na exatidão da notícia – a sociedade.


Fábio Konder Comparato defende idêntica posição[28]:

O direito de resposta, tradicionalmente, visa a garantir a defesa da verdade e da honra individual. Legitimado a exercê-lo, portanto, é sempre o indivíduo em relação ao qual haja sido difundida uma mensagem inverídica ou desabonadora. Ainda que se não possa nele enxergar um direito potestativo, como quer uma parte da doutrina, é inegável que ele se apresenta como um meio de defesa particularmente vigoroso, em geral garantido pela cominação de pesada multa em caso de descumprimento pelo sujeito passivo.


É, sem dúvida, necessário estender a utilização desse mecanismo jurídico também à defesa de bens coletivos ou sociais, que a teoria moderna denomina ‘interesses difusos’. Os defensores do bem comum ou interesse social acham-se sempre em posição jurídica subalterna em relação aos controladores dos meios de comunicação social, só tendo acesso garantido a esses veículos nos raros casos previstos em lei.


Essa é, aliás, a posição jurídica que sobressai de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, a começar pela ADPF 130, na qual a intangibilidade do direito de resposta foi assinalada no voto condutor do Ministro Carlos Ayres de Britto. Recorde-se, nesse mesmo passo, o voto do Ministro Celso de Mello na AC 2695-MC/RS (DJe de 1º.12.2010), que consagra a tese ora albergada:

O exame do contexto fático, tal como foi este soberanamente delineado pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 - RTJ 153/1019 - RTJ 158/693, v.g.), permite-me reconhecer a compatibilidade da decisão recorrida com o texto da Constituição, notadamente no ponto em que o julgamento em causa põe em destaque a circunstância de que uma das funções subjacentes ao direito de resposta reside, primariamente, no restabelecimento e/ou na preservação da verdade (…)


O direito de resposta/retificação traduz, como sabemos, expressiva limitação externa, impregnada de fundamento constitucional, que busca neutralizar as conseqüências danosas resultantes do exercício abusivo da liberdade de imprensa, pois tem por função precípua, de um lado, conter os excessos decorrentes da prática irregular da liberdade de comunicação jornalística (CF, art. 5º, IV e IX, e art. 220, § 1º) e, de outro, restaurar e preservar a verdade pertinente aos fatos reportados pelos meios de comunicação social.


Vê-se, daí, que a proteção jurídica ao direito de resposta permite, nele, identificar uma dupla vocação constitucional, pois visa a preservar tanto os direitos da personalidade quanto assegurar, a todos, o exercício do direito à informação exata e precisa. (...)


Cabe insistir na afirmação de que qualquer pessoa (tanto quanto a própria coletividade) tem o direito de obter e de ter acesso a informações verazes, honestas e confiáveis, de tal modo que a violação desse direito, se e quando consumada, poderá justificar, plenamente, o exercício do direito de resposta.


O direito eleitoral prevê hipóteses de direito de resposta na Lei 9.504, de 1997, que dispõe sobre o tema no art. 58, segundo o qual o direito de resposta somente se aplica “a partir da escolha de candidatos em convenção”, nos casos de candidato, partido ou coligação atingidos, mesmo que indiretamente, “por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica”, veiculados sob qualquer forma ou instrumento. Note-se que o texto normativo está preso a uma visão desatualizada do processo eleitoral, que não abrange a pré-campanha, hoje juridicamente regulada pelo direito eleitoral. Semelhantemente, exclui do conjunto de legitimados para agir – os ofendidos em sua honra ou imagem, ou prejudicados por mensagem falsa –, terceiros eventualmente alvejados por atividades eleitorais, restringindo-o a candidatos, partidos e coligações.


O Código Eleitoral sempre tratou da matéria, porém de forma distinta, mais próxima de uma visão tradicional do direito de resposta[29]. Segundo seu art. 243, §§ 1.º e 3.º, qualquer ofendido por calúnia, difamação ou injúria poderia demandar, no juízo cível, a reparação do dano moral, bem como teria a seu favor o direito de resposta, quanto atacado através da imprensa, rádio, televisão ou alto-falante. A dicção mais ampla da Lei das Eleições atualiza a redação do Código de 1965, permitindo mais capacidade de intervenção nessa área, ainda que pudesse ter aberto ainda mais possibilidades. Com efeito, não há motivo juridicamente válido para se restringir o rol de ofendidos legitimados a agir a candidatos, partidos e coligações, ou se interpretar de maneira restritiva o conceito legal de ofensa indireta.


A Lei 9.504/97 define que, a partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o exercício do direito de resposta ao atingido, ainda de que de forma indireta. Em caso de pedido de direito de resposta constante de matéria inverídica, caberá ao representado a prova da verificação prévia dos elementos que permitiram concluir, com razoabilidade segurança, pela fidedignidade da informação. A legislação estabelece prazos e procedimentos abreviados, com a finalidade de tornar efetiva a norma, o que nem sempre acontece. Assim, na imprensa escrita tem-se até 72 horas da veiculação para a propositura da competente ação. No caso de rádio e televisão, o prazo é de até 48 horas, se acontecido na programação normal, ou de 24 horas, se ocorrido no horário eleitoral gratuito. Já na internet, enquanto for veiculada, ou no prazo de 3 dias, contados da sua retirada. Para assegurar a celeridade processual e efetividade material do direito, a Justiça Eleitoral funcionará ininterruptamente no período eleitoral, inclusive mantendo magistrados sob regime de plantão, para atendimento a situações emergenciais, sendo certo que o provimento jurisdicional pode ser dado sem audiência prévia, a critério do julgador, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal[30]. Exige-se, tão-somente, que motivos suficientemente sólidos fundamentem a decisão[31].


Caberá o direito de resposta nos casos de uso de conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica. Note-se que a norma se refere a duas hipóteses para a atribuição do direito de resposta, a ofensa à honra ou a divulgação de dado sabidamente inverídico. E, ainda, reconhece dois tipos de ofendidos, os que são diretamente atingidos pela propaganda, e os prejudicados de forma indireta por ela. Note-se a adoção de um modelo híbrido, que tanto permite um controle de conteúdo, quanto impõe uma avaliação de contexto. Verifique-se a hipótese seguinte, a título ilustrativo.


Direito de Resposta em face de informação inverídica destinada a beneficiar a imagem do candidato que a produz

Considere-se que, entre as possibilidades de prejuízo indireto decorrente de matéria inverídica está a situação na qual um dos concorrentes nas eleições divulga informação falsa, chamando para si mérito indevido, reconfigurando sua imagem a partir de dado mentiroso, ou simplesmente inflando sua biografia com dados curriculares inexatos ou inverídicos, sempre no benefício de sua candidatura. Poder-se-ia, a uma leitura desatenta da norma, pretender a inexistência de lesão a direito de concorrente eleitoral e, pois, de não ser o caso do direito de resposta. Nada mais errôneo, entretanto. Em casos assim, comparecem como ofendidos todos os oponentes do emissor da mensagem inverídica, lesados no seu direito, diretamente derivado da aplicação do princípio democrático ao pleito, de participarem de eleições livres, limpas e justas. Subtrai-se de seu patrimônio jurídico o direito ao equilíbrio eleitoral, independentemente da extensão do dano efetivamente verificado[32].


Concretamente, o que haveria, no caso, seria o uso de uma mensagem contendo referência falsa a determinado fato, para fins eleitorais. Trata-se de estratégia que passa pela modelagem da estampa pública do candidato, tornando-o mais apetecível ao eleitorado. Explicam Pedro Mundim e Fernando Fonseca e Tomaz[33]:

“No centro da constituição e consolidação de uma imagem pública política estão, portanto, disputas simbólicas por meio de processos comunicativos mediados pela linguagem. É desse modo que os atores políticos buscam, por um lado, construir representações positivas de si mesmos e das causas que defendem e, por outro,desconstruir e desestabilizar a imagem de uma pessoa, partido, etc., a que se opõem, buscando dar-lhes uma conotação negativa. A partir do momento em que atores políticos fazem uso de estratégias discursivas em torno de seus pontos de vista, eles estão agindo de forma comunicativa e buscando construir uma personagem política favorável. Tudo isso na tentativa de obter o apoio do público para seus pontos de vista e de influenciá-lo numa direção específica. Hoje em dia, as campanhas eleitorais são o exemplo mais claro dessas disputas. Nelas, todo instrumental técnico disponível (pesquisas de opinião, grupos focais, marketing eleitoral, etc.), esforço e motivação são direcionados para o estabelecimento de uma imagem que lhes permita conquistar o voto da maioria dos eleitores.


Se é certo, por um lado, que o candidato tende a tecer, perante o público, a melhor imagem de si mesmo, por outro, não é menos certo que a si compete o dever de informação veraz, sob pena de prejuízo a seus contendores e à comunidade política em geral. O candidato pode, assim, expor as mais diversas opiniões e posições políticas; pode se descrever da maneira que melhor lhe sirva, conforme o juízo que faça de si mesmo; pode, ainda, expor todos os dados de sua biografia que julgue importantes; não pode, contudo, tentar alavancar sua candidatura com informações inverídicas e desinformação. Com o uso de dados falsos, viola a lei eleitoral, a atingir o patrimônio jurídico da sociedade e de terceiros. Ante seus adversários na contenda eleitoral, atinge os direitos à disputa equilibrada e à lealdade na competição eleitoral. Lesa, também, o direito do eleitor à informação adequada.


Note-se, todavia, que essa posição não é pacífica na jurisprudência, havendo decisões ainda apegadas a tradição diversa, de cunho liberal e privatístico, acerca do direito de resposta. Tal pode ainda ser encontrada em decisões que proclamam que “a legitimidade para pleitear a concessão de direito de resposta, por se tratar de direito personalíssimo, é do próprio ofendido”[34]. Não se trata, contudo, da melhor aplicação que se deva dar a esse instituto jurídico, em face da estrutura normativa determinada pela Constituição da República de 1988.


Consigne-se que a dicção da regra eleitoral referente ao direito de resposta expressamente menciona a proteção da verdade, admitindo um controle de conteúdo[35], e a legitimidade ativa dos que são atingidos indiretamente pela propaganda eleitoral, permitindo uma intervenção ampla por parte da jurisdição, neste caso tendo como pano de fundo o contexto da disputa eleitoral e o risco à normalidade do pleito. Alessandro Balbi Abreu destaca, sob tal racionalidade, a extensão do direito de resposta na seara especificamente eleitoral[36]:

Extrai-se do dispositivo legal ora debatido que não é somente a afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa que pode ocasionar o direito de resposta. A afirmação sabidamente inverídica também o pode.


Diferente do que a jurisprudência de alguns tribunais regionais eleitorais tem sedimentado recentemente, a afirmação sabidamente inverídica, desde que prejudicial ao interessado, pode ensejar direito de resposta mesmo quando desacompanhada de conteúdo calunioso, difamatório ou injurioso.


A própria redação do art. 58 da Lei n. 9.504/1997 – “[...] por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica [...]” – é clara ao dispor da conjunção alternativa “ou”, demonstrando claramente a intenção do legislador de proporcionar a quem for prejudicado por uma afirmação inverídica a possibilidade de restabelecer a verdade.


Sendo assim, quando caracterizada a mensagem “sabidamente inverídica”, não se pode, de forma alguma, admitir que os aplicadores do direito neguem o direito de resposta àqueles que forem prejudicados, sob o argumento de que não foi caracterizada a ofensa à honra ou ao decoro.

Já decidiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral: “A afirmação sabidamente inverídica, desde que prejudicial a um candidato, pode ensejar o direito de resposta. Não se faz mister que tenha conteúdo calunioso, difamatório ou injurioso”. (TSE. REspe n. 15.602, 1998.)

(…)


Conclui-se, portanto, que toda a afirmação inverídica, sendo ela evidente ou maquiada, desde que prejudique candidato, partido, coligação ou até mesmo terceiros, deve servir de motivo para concessão do direito de resposta.


Em casos dessa natureza, verificada a matéria inverídica divulgada, a concessão de direito de resposta é medida que se imporá, a fim de se evitar que a disseminação de informações que possam confundir o eleitor, induzindo-o a erro, conspurquem a igualdade de condições entre os candidatos. Nesse sentido, já se posicionou o Tribunal Superior Eleitoral:

“O direito de resposta é uma medida voltada ao equilíbrio da disputa eleitoral, que visa manter o alto nível da campanha entre os candidatos, permitindo que a parte ofendida se defenda, na mesma proporção, das violações de que foi alvo, seja pelos demais concorrentes, seja pelos meios de comunicação.


Em que pese a Constituição Federal assegurar a livre manifestação do pensamento crítico, é cediço que dessa manifestação não pode advir ofensa à honra e à imagem de candidatos, partidos políticos e coligações, no período eleitoral, baseada em fatos sabidamente inverídicos ou afastada do dever de informar. (...)


O fato sabidamente inverídico restou configurado a partir da afirmação de que o representado comandou privatização realizada em governo do qual não participou, bem como pela indicação de número específico de empresas privatizadas sem que tivesse sido apresentado pela defesa qualquer elemento que, ao menos, lançasse dúvida sobre a patente incorreção verificada. Nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a representação”. (TSE. Representação nº 3.485-53/DF, rel. Min. Henrique Neves, em 19/10/2010).


Verifica-se, assim, que o direito eleitoral brasileiro, ao tratar de eventuais conflitos que possam derivar da tensão entre direitos fundamentais concorrentes, reconhece a prevalência nas campanhas eleitorais das liberdades de expressão e de manifestação do pensamento, assim como o respeito à privacidade e intimidade dos cidadãos, permitindo, não obstante, que se exerça um amplo controle, repressivo e corretivo[37], sobre abusos porventura cometidos no processo eleitoral, inclusive por meio da internet e pelos meios de comunicação interpessoal, tais como como mensagem eletrônica e mensagem instantânea.


Destaque-se, porém, que, conquanto seja amplo o alcance da norma, seu manejo sói ser difícil e complexo em muitos dos casos concretos. Além disso, propugnamos que, seja no plano legiferante, seja no jurisprudencial, avanços sejam admitidos no âmbito do direito de resposta, como, por exemplo, a incidência da regra específica de direito eleitoral sobre a pré-campanha, permitindo seu processamento na justiça especializada; a ampliação das hipóteses de legitimidade ativa, com o reconhecimento de terceiros ofendidos, ainda quando não haja lesão a candidato, partido ou coligação; o acolhimento geral a situações de mentira e desinformação, incluindo o discurso de ódio, mesmo quando a falsidade não for notória, mas apenas incontestável, e ainda que não haja ofensa à honra; o reconhecimento mais amplo de casos de atingimento indireto à honra e imagem, incluindo os excessos curriculares dos candidatos e demais informações tendentes a manipular a percepção pública a respeito de sua pessoa e suas qualidades. Afinal, essa é uma área do direito que ganhará cada vez mais interesse e importância nos próximos anos.


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[2] Podemos nos referir à “Sociedade 4.0”, considerando uma evolução que parte da sociedade da linguagem oral, segue na sociedade da escrita, evolui para a sociedade do livro impresso e chega no momento atual com a introdução de meios eletrônicos, digitais e virtuais. Ver em BAECKER, Dirk. Communication with Computers, or How Next Society Calls for an Understanding of Temporal Form. Soziale Systeme: Zeitschrift fuer soziologische Theorie, Vol. 13, 2007, pp. 409-420; BAECKER, Dirk. Studien zur nächsten Gesellschaft. Frankfurt am main: Suhrkamp, 2007. [3] A respeito do caso, ver, por exemplo, em WYLIE, Christopher. Mindf*ck: Cambridge Analytica. La trama para desestabilizar el mundo. Madrid: Roca, 2020; TIRINO, Nazzareno. Cambridge Analytica. Il potere segreto, la gestione del consenso e la fine della propaganda. Tricase: Libellula, 2019. [4] Como, por exemplo, a ação do “Sleeping Giants”. [5] DIAS, Wladimir L. R. Democracia em tempos de fake news: o impacto das redes sociais na educação política. Live disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Nyr2wqBYEFk. [7] A origem remota desse instituto está no Capítulo III da Regra 28 do Rei Eduardo III, de 1335, que deriva do Capítulo 29 da Magna Carta inglesa, de 1225. Modernamente, está presente na tradição constitucionalista, constando das Declarações de Direitos historicamente relevantes e, via de regra, das Constituições dos Estados. [8] BLACK, Hugo L. Crença na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 52. [9] Ver, por exemplo, o recente caso em que o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional) assegurou a liberdade de reunião e de manifestação, contra as normas restritivas editadas contra a pandemia (BVerfG 1 BvR 828/20, julgado em 15/4/2020). [10] Schenk vs. USA, 249, US 47, 1919. [11] Fiske vs. Kansas, 274 US 380, 1927. [12] Boyd vs. USA, 116 US 616, 1886. [13] Weeks vs. USA, 383, 1914. [14] Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 333. [15] PHILIPE, Xavier. Le Controle de Proportionnalité dans les jurisprudences Constitutionelle et Administratif Française. Marseille, 1990, p. 47. [16] Apud CORWIN, Edward. Direito Constitucional Norte-Americano. Rio de Janeiro: Zahar, 1986, p. 265. [17] FERRAZ JR., Tércio S. “Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado”. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. n. 1, p. 77. [18] MENDES, Gilmar F. et all. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 379. [19] BLACK, Hugo Lafayette.Crença na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 43. [20] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 211. [21] ATENIENSE, Alexandre. “Limites do Monitoramento”. In: Consultor Jurídico. Abril, 2006. [22] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 211. [23] PEREIRA, J. M. Direito de Informação. Lisboa: API, 1980, p. 15. [24] DAHL, Robert. Um Prefácio à Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. [25] LOMBARTE, Artemi. Pluralismo informativo y Constitución. Valência: Tirant Lo Blanch, 2000, p. 63. [26] MOREIRA, Vital. O Direito de Resposta na Comunicação Social. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 24 e ss. [27] CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 120 e ss. [28] COMPARATO, Fábio Konder. “A Democratização dos Meios de Comunicação de Massa”. In: Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 165. [29] Ver, a respeito, na Ac. nº 686/ TSE, de 23.8.2005, rel. Min. Gilmar Mendes. [30] STF, HC 79191, DJ de 8/10/99, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. [31] STF. Inq. 901-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. [32] Para aspectos práticos da posição do autor, ver na Representação n.º 4519-61.2014.6.13.0000/TRE-MG. [33] MUNDIM, P. e TOMAZ, F. F. “O conceito de imagem pública política nos estudos de comunicação”. In: Revista de Estudos da Comunicação, Curitiba, v. 8, n. 16, maio/ago. 2007, p. 133-140. [34] TSE. Ac. de 10.4.2007 na Rp nº 859, rel. Min. Cesar Asfor Rocha. [35] Não obstante, o preceito legal é assimilado pelo TSE de forma estrita, de forma que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias”. TSE. Recursos nas Representações nº 2962-41/DF, nº 2963-26/DF e nº 2964-41/DF rel. Min. Henrique Neves, em 28/9/2010, Informativo nº 30/2010. [36] ABREU, A. Balbi. “O direito de resposta na esfera eleitoral sob a ótica da doutrina e da jurisprudência”. Resenha Eleitoral, v. 15, 2008. [37] A Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de propagandas e publicações em geral que contenham inverdades, assim como agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.

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